quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Da Aplicação do Princípio da Seletividade e da Distributividade previsto no art. 194, III na área da Saúde

A disposição constitucional elencada no art. 196 da CF/88, de que a saúde é um direito de todos, leva-nos, a uma conclusão prematura de que o Princípio da Seletividade e da Distributividade dos benefícios não se aplicaria a seara da Saúde no quadro da seguridade social, posto que, os benefícios do serviço de saúde, devem ser estendidos a todos que dela necessitem, independente de critérios de seletividade tal como é aplicado na seara da Previdência Social e da Assistência Social.


Contudo, referida conclusão merece a devida reanálise, sobretudo porque está direcionado tão somente a um destinatário – o cidadão, situação esta, que não se amolda aos artigos 196 e 197 da CF/88, onde ambos ao fazer referência à elaboração de políticas públicas e regulamentação em lei para a efetivação do conteúdo previsto, introduzem por lógica, a necessidade de aplicação do referido princípio ao legislador infraconstitucional, conforme o entendimento da Excelsea Corte Federal, in verbis:

(...) O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os agentes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...)(RE-AgR nº 271286/RS)

De fato, ao mencionar o legislador constituinte que a Saúde é um direito de todos e dever do Estado, este implementou uma norma de conteúdo programático, de efeito mediato, que necessita de uma regulamentação ordinária para a efetivação das garantias ali postas

Tais garantias como é sabido, é efetivada de acordo com a capacidade orçamentária do Estado, e por essa razão, emerge a necessidade de aplicação do referido princípio à área da Saúde, pois irá fixar as diretrizes para que o legislador selecione as melhores formas de custeio e distribuição de recursos que irão financiar/assegurar o acesso a saúde a população que dela necessite.

Em suma, a garantia constitucional do acesso a saúde, somente será efetivada dentro de uma limitação econômica, a qual se denomina “Reserva do Possível”, que em apertada síntese, a luz da razoabilidade e proporcionalidade, resume-se na idéia de que o Estado proverá as garantias fundamentais do cidadão, de acordo com a sua liquidez orçamentária.

Exigir uma prestação estatal sem a existência recursos, seria o mesmo que transformar em meras letras mortas as disposições constitucionais asseguradas na Carta Magna, o que nos leva a crer, a importância do referido Princípio na elaboração de Leis, Regulamentos e Portarias, que devem necessariamente, estar de acordo com a Lei Orçamentária de cada ente da federação.

Acerca disso, destaca-se um trecho do voto vencedor do Excelentíssimo Desembargador Dídimo Inocêncio de Paula do Tribunal de Justiça de Minas Gerais nos autos de nº 1.0313.08.265178-4/002, ao analisar o Princípio da Seletividade e da Distributividade na Saúde, ad litteram:

“Desta forma, a observância do princípio da seletividade e distributividade na prestação do serviço de saúde é medida a ser observada pelo poder público, ao elaborar o orçamento destinado à saúde da forma mais equânime possível.

É a lição de Simone Barbisan Fortes:

"Se este (princípio da universalidade da cobertura e do atendimento), de um lado, como norma programática coloca a necessidade de que a Seguridade cubra todos os riscos sociais e atinja todas as pessoas no território nacional, de outro o princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços exige que, em face de contigências econômico-financeiras do Sistema de Seguridade, os riscos cobertos sejam os mais prementes, e que sejam atendidas as pessoas mais necessitadas, isto é, com menos renda."

Sob a perspectiva do direito à saúde, afirma a autora que o princípio da seletividade:

"... irá ponderar, em face das possibilidades econômico-financeiras do regime, quais podem se as contigências atendidas, dando prioridade àquelas mais relevantes e prementes.

O princípio em pauta confunde-se com o princípio da reserva do possível, significando, portanto, que o atendimento veiculado pelas ações e serviços de saúde deverá ofertar a proteção possível, diante do contingenciamento de receitas, o que põe como conseqüência a necessidade de priorização de determinadas áreas ou setores.

Nas palavras de Marga Inge Barth Tessler, 'efetivamente, o direito à saúde, no seu aspecto prestacional, deve ser compatível com a realidade econômica do país".

Assim, tendo em vista que, para a concretização do direito à saúde, o poder público deve agir seletiva e distributivamente, buscando a universalização deste serviço, estou convencido de que não deve o magistrado, por meio de decisões que analisam um único caso isolado, determinar que o ente estatal suporte os custos de medicamentos que não foram previamente selecionados mediante critérios técnicos que indicam as necessidades mais prementes da população.”



Com efeito, ao desvencilhar a aplicação do Princípio da Seletividade e da Distributividade na Saúde, seria no mínimo irrazoável, pois tanto a saúde como outras searas da organicidade estatal, depende de uma fonte orçamentária que é regulamentada por lei, tendo assim, participação efetiva do legislador infraconstitucional.

Portanto, é perfeitamente viável a aplicação da Seletividade e Distributividade da Saúde, pois isso não se refere à seleção de usuários, mas sim, uma diretriz ao gestor ou agente político na elaboração de metas, regulamentos, resoluções e etc., para a consecução dos fins objetivados na carta Constitucional, conforme entendimento transcrito e pacificado pela jurisprudência pátria:

“Se a idéia do princípio da seletividade é a de selecionar aquelas prestações que melhor atendam aos objetivos da Seguridade Social, pode-se dizer que, no âmbito da saúde, cumpre ao legislador infraconstitucional implementar as ações de saúde que minimamente garantam a sobrevivência digna da universalidade dos cidadãos.” (Des. Albergaria Costa; TJMG; Proc. nº 1.0313.08.265178-4/002)



"Ementa: CONSTITUCIONAL - AÇÃO ORDINÁRIA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - INSUFICIÊNCIA CORONÁRIA, MIOCARDIOPADIA E DEPRESSÃO - INOCORRÊNCIA DE RAZOABILIDADE E DISPONIBILIDADE FINANCEIRA - CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. O direito à saúde inscrito no art. 196, CF, não tem caráter absoluto e necessita ser ponderado com outros interesses definidos na Carta da República. Disponíveis alguns dos medicamentos pretendidos pelo autor, acessíveis outros em forma similar ou genérica, improcede a pretensão de obrigar o ente público a fornecer remédios outros cuja ineficácia não é comprovada de modo satisfatório” (TJMG, Número do processo: 1.0024.05.859238-7/001, Relator: DES. ALBERTO VILAS BOAS, Data do acórdão: 10/07/2007).

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE SUPLEMENTO ALIMENTAR. DIREITO À SAÚDE. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA DISTRIBUTIVIDADE E DA SELETIVIDADE. RECURSO PROVIDO.Para a concretização do direito à saúde, o Poder Público deve agir seletiva e distributivamente, não sendo possível ao magistrado determinar que o ente estatal suporte os custos de medicamentos que não foram previamente selecionados mediante critérios técnicos que indicam as necessidades mais prementes da população, sob pena de o Judiciário imiscuir-se na esfera de competência do Legislativo e do Executivo, interferindo no orçamento dos entes estatais e até mesmo na política de distribuição de saúde a todos os cidadãos, priorizando o direito de uns em detrimento do de muitos.Recurso provido. (TJMG- 1.0313.08.265178-4/002).



Sendo assim, quando se tratar de Seletividade e Distribuição na Saúde, isso não se remete a uma peneira ou mesmo um conjunto de requisitos previstos em lei para o gozo dos benefícios, mas sim, de um princípio que oriente as ações do governo na implementação de políticas públicas que efetivamente garantam o acesso de todos a uma Saúde de qualidade, conforme elencado na Constituição Federal.